Das cavernas aos lofts: veja a evolução dos efeitos do estresse no organismo

Cabelos longos, barba comprida, vestes de pele de animais, ferramentas esculpidas à mão e uma caverna feita de abrigo. Primitivo, o homem da era paleolítica vivia no ritmo do sol e caçava para comer. 

Já sapiens (do latim, “o homem que sabe o que sabe”), a versão contemporânea do homem das cavernas acorda com o despertador, levanta da cama num quarto com temperatura controlada e vai até a geladeira ou armário, onde tem o que quer ao alcance das mãos – e do estômago, acostumado com os alimentos industrializados. 

Some a isso o acúmulo de estresse com as demandas diárias do trabalho e estudos e o resultado será a hipertensão. 

A água, que antes era retida para que as funções vitais fossem mantidas, agora disponível sem maiores esforços, virou retenção de líquido. 

Embora esteja a um passo da facilidade para a solução de qualquer problema, o homem moderno viu o hormônio do estresse, o cortisol, indispensável à sobrevivência no passado, virar doença no presente. 

O paralelo entre a realidade separada por séculos de evolução é a forma adotada pelo farmacêutico doutor em psicofarmacologia, Fabrício Assini, para explicar como a rotina atual interfere na liberação do neurotransmissor essencial para que nossos ancestrais sobrevivessem. 

Do humor ao peso, a substância liberada sem restrições na corrente sanguínea surte efeitos visíveis em quem vive estressado. 

“Conservar energia é uma das ações do cortisol. É aumentar a deposição de lipídios no nosso corpo, especialmente do tecido abdominal nas costas. Então, um outro sintoma físico do estresse crônico prolongado é o ganho de peso”, explica Fabrício.  


Vigilância constante 


Ligado às respostas de luta ou de fuga, o excesso de cortisol no organismo tem um traço específico que virou sinalizador do estresse crônico: a ansiedade.  

Segundo o especialista, na época das cavernas, ao entardecer, os mecanismos de sobrevivência deixavam os homens mais vigilantes, mais alertas e os ajudavam a antecipar a aproximação de inimigos potencialmente mais fortes, como os animais. 

Só que, nos tempos atuais, exposto ao constante estresse, o corpo segue reagindo da mesma maneira – apesar de não ter uma ameaça real. 

“Então, um sintoma emocional do estresse, com toda a certeza, é a antecipação de desafios futuros, a ansiedade”, pontua.
 


Efeito dominó 


Na linha de “uma coisa leva à outra”, a cascata de consequências vem disfarçada de fome – ou desejo por alimentos palatáveis e pouco saudáveis.  

O estresse acaba descontado na comida, numa tentativa de driblar a irritabilidade, a tristeza e a dificuldade de concentração que fazem parte do pacote do desequilíbrio de cortisol.  

As más escolhas alimentares, nesse contexto, levam à inflamação sistêmica, no que o especialista classifica como um ciclo vicioso.  

“Essas escolhas alteram a microbiota intestinal, que vai aumentar a permeabilidade, e eu deixo de ter uma microbiota seletiva e passam ali substâncias que não deveriam, tendo uma ativação sistêmica e mais inflamação”, detalha o farmacêutico. 

A qualidade do sono é diretamente impactada ao longo da inflamação gerada pelo estresse crônico. Noites mal dormidas aumentam as sensações estressantes, que alteram o nível de cortisol que alimenta o looping do mal-estar. 

Um caminho sugerido pelo especialista é ajustar a nutrição da base da dieta diária, que tem a capacidade de aliviar os sintomas e melhorar a qualidade de vida.  

Segundo Fabrício, é preciso manter a vigília na alimentação e lembrar: “aquele mesmo alimento que consola quando passa pela boca, me inflama quando chega no intestino”.  


Inflamações  


Menos visível do que os quilos a mais ou que as olheiras, fruto da insônia causada pelo estresse crônico, o cortisol acima do necessário pode causar a neuroinflamação, que é uma inflamação do tecido nervoso do cérebro. 

“É uma inflamação que não dói, não coça, não arde num primeiro momento, mas que tem uma série de consequências no nosso corpo”, reforça Fabrício. 

A inflamação crônica diminui a síntese de serotonina, noradrenalina e dopamina, além de causar o excesso de glutamato – um neurotransmissor que, em níveis adequados, trabalha na consolidação da memória, mas que em excesso leva à citotoxicidade glutamina térmica.  

O quadro leva à diminuição do número de sinapses que, por sua vez, afeta a comunicação de determinadas áreas do cérebro, como o hipocampo, que é tradicionalmente relacionado ao aprendizado e memória, um mecanismo que “ a gente usa a todo momento para tomar uma decisão, seja até mesmo para estressar mais ou menos”, salienta o especialista. 


Gerenciar para equilibrar 


A decisão de mudar o rumo exige pausa e reflexão. Fabrício Assini defende que é preciso parar, olhar para o problema e admitir os excessos. 

“Ter consciência que é preciso mudar, de não aceitar mais estar estressado cronicamente, de não se envergonhar, de descansar”, recomenda.  

Sem dúvidas sobre qual o melhor caminho para se reconectar à essência e ancestralidade – distante do estresse -, o especialista aponta a atividade física como a alternativa gratuita e eficiente rumo a um estilo de vida mais leve e saudável.  


Bom lembrar 


O estresse é uma resposta fisiológica do corpo humano a situações que demandam reações de luta ou fuga.  

Inerente à natureza humana, o cortisol garante a sobrevivência da espécie desde a época das cavernas. 
 

No entanto, quando liberado em excesso e continuamente, dá origem ao quadro de estresse crônico que desencadeia doenças como a hipertensão, obesidade e depressão.  

Admitir que a rotina tem mais atividades do que se suporta é essencial para a readequação de um estilo de vida mais próximo do ideal – a começar pela alimentação, que costuma ser a válvula de escape em situações de estresse. 

Investir nos exercícios físicos é uma forma barata e eficaz de buscar o equilíbrio hormonal e a leveza no cotidiano.  

Caso você note que o estresse tem interferido no seu cotidiano, procure a ajuda de um especialista.  

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