O intestino dispensa a escala Pantone. Quando o assunto é a cor das fezes, não há necessidade de recorrer à tabela que serve como referência mundial para a consulta de tons.
Para a ciência, é consenso: as refeições do dia a dia precisam chegar ao fim do processo de digestão na cor marrom.
Há exceções: beterraba, pitaya e milho causam a mudança na tonalidade e textura das fezes. Nesse caso, a cor alterada é considerada normal. Fora disso, não há discussão.
Diferentemente da forma e textura, que são classificadas em sete categorias na Escala Bristol para avaliar o percurso do alimento pelo trato gastrointestinal, no critério cor qualquer tonalidade diferente de marrom pode sinalizar o comprometimento da saúde do fígado, do estômago e do intestino.
50 tons de marrom
A paleta de cores que revela um sistema digestório saudável é restrita em termos de tonalidades.
A explicação para que o produto final da digestão tenha a cor amarronzada está na presença de pigmentos da bile, que é um fluido produzido pelo fígado para ajudar na quebra e absorção das gorduras ingeridas.
“A coloração esperada das fezes é uma coloração marrom amarronzada. Por quê? Porque existe um equilíbrio na nossa liberação de sais biliares no lúmen. E essa liberação tem uma função fundamental de homogeneizar os lipídios e esse sal biliar, que é liberado pelo ser humano no trato gastrointestinal para fazer a homogeneização dos lipídios”, detalha o nutricionista especialista em modulação intestinal, Murilo Pereira.
Falando em proporção, 4 a 5 % desses sais biliares são eliminados do organismo por meio de uma metabolização microbiana. Nessa transformação, a substância, que é originalmente verde, ganha a cor marrom – que dá o tom às fezes.
Alerta amarelo
Embora na colorimetria o amarelo se apresente como componente essencial para atingir o tom marrom, no trato gastrointestinal, a cor não é bem-vista.
Para além da cartela de amarelos, a falta de coloração, que dá o aspecto “pálido” às fezes, também acende o sinal de alerta para o diagnóstico de litíase biliar, popularmente conhecida como pedra na visícula:
“É sinal de que você pode ter uma maior vulnerabilidade a desenvolver uma alteração chamada de litíase biliar ou cálculos biliares. Você está com uma alteração na excreção ou na metabolização desses sais biliares e é fundamental que você procure um profissional habilitado para investigar melhor como está a sua função biliar”, recomenda o especialista.
Preocupação amparada por dados. Numa publicação epidemiológica*(A) divulgada em 2009, pesquisadores alertam para um grande número de casos da doença em brasileiros.
O documento aponta que considerando que a população brasileira é de cerca de 190 milhões de habitantes e que, desses, 105 milhões têm idade igual ou acima de 20 anos, estima-se que 10 milhões de brasileiros com mais de 20 anos de idade apresentam litíase biliar. Muitos ainda sem diagnóstico.
Motivo mais que suficiente para incentivar a investigação médica em caso de suspeita.
Exceção: a única idade em que é aceitável ter fezes amareladas são os primeiros meses de vida, quando as proteínas do colostro materno reflete na tonalidade do que é eliminado pelo bebê.
Bandeira verde para investigar
Se amarelo remete à vesícula, a cor verde nas fezes, na maioria dos diagnósticos em pacientes adultos, está ligada a uma parasitose clássica: a giardíase.
A infecção no intestino delgado é causada por um protozoário chamado Giárdia lamblia, que vive em água contaminada. Outros sintomas da doença intestinal são a fraqueza, a perda de apetite e cólicas abdominais.
Já nos bebês, as fezes esverdeadas podem revelar a alergia à proteína de leite de vaca (APLV). Nesse caso, além de verdes, as fezes são pegajosas, fétidas e apresentam manchas pretas.
Segundo Murilo Pereira, vale ressaltar que essa alergia surge, inclusive, em crianças que nunca tiveram contato direto com o leite de vaca.
“São exossomas, frações proteicas minúsculas ou outros compostos derivados do leite de vaca que migram pela glândula mamária e são excretados para esse bebê e geram lesão no epitélio desta criança. E isso gera alterações inclusive dermatológicas”, aponta.
O quadro de APVL costuma evoluir para episódios de vômito em jato e as fezes que, no início da alergia eram verdes, passam a apresentar sangue vivo.
Por isso, o especialista reforça que não é preciso deixar a criança sofrer. O indicado é procurar um especialista tão logo o primeiro sinal apareça.
Sinal vermelho: fique de olho!
Pitaya e beterraba têm efeito esperado na coloração das fezes. O consumo irá, fatalmente, alterar a cor das fezes na próxima ida ao banheiro. É normal.
Mas o vermelho também pode indicar a presença de sangue, resultado de uma lesão no intestino grosso, que pode ser o resultado de um processo inflamatório, pólipo ou hemorróida.
O diagnóstico, nesses casos, é feito por meio da colonoscopia, um exame obrigatório para quem tem mais de 45 anos e apresenta esse sintoma rotineiramente.
Através das imagens, o especialista consegue identificar o câncer colo-retal, que é um dos cânceres com maior índice de cura e cujas lesões, quando identificadas precocemente, podem ser retiradas durante o próprio exame. Esse, aliás, é o tratamento da doença.
“Agora, se você tiver parentes de primeiro grau que tiveram câncer colorretal com idade inferior a 55 anos, a data para você fazer o seu exame não é aos 45 anos, e sim dez anos antes da data do diagnóstico do câncer colorretal no seu parente de primeiro grau”, alerta Murilo.
Por exemplo, caso o seu parente tenha recebido o diagnóstico aos 50 anos, você deve fazer seu exame aos 40. Independentemente de ter sangue nas fezes ou não.
Inibidores de absorção de gordura
Outra causa comum de alteração significativa na coloração das fezes é o uso de inibidores de absorção de gordura, prescrito por médicos durante a elaboração de protocolos de emagrecimento.
O remédio tem efeitos adversos que vão além de um vaso sanitário avermelhado/alaranjado que denuncia o uso do inibidor.
“Cuidado com inibidores de absorção de gordura. Eles deixam esse cocô avermelhado. Isso não tem nada a ver com o câncer colorretal. Isso não tem nada a ver com risco de doenças. Isso tem a ver com o uso indiscriminado, muitas vezes mal orientado, de inibidores de absorção de gordura, que, por sua vez, vão fazer com que a pessoa possa ter uma dificuldade da biodisponibilidade de vitaminas lipossolúveis de lipídeos, que são fundamentais para a alimentação do indivíduo”, pontua Murilo.
Bom lembrar
A regra é simples: um sistema digestório em pleno funcionamento resulta em fezes marrons. Sem variação.
A única exceção é a ingestão de determinados alimentos que têm coloração intensa, como beterraba e pitaya.
Qualquer outra alteração na tonalidade das fezes pode ser um sinal de comprometimento da saúde hepática, gástrica e intestinal.
Caso você note alguma mudança no produto final da sua digestão, procure o seu gastroenterologista.